Apesar de extenso, reforço que a quantidade fica bem atrás da qualidade deste artigo de inegável importância e actualidade.
Leiam...
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Critiquem!
LITORAL KILLER
Luísa Schmidt
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LITORAL KILLER
Luísa Schmidt
“Um estudo da Agência Europeia do Ambiente dá conta de um litoral europeu em grandes apuros. Mas Portugal vai continuando, como se nada fosse, a persistir nos erros mais absurdos - troço a troço, até à liquidação total.
A Agência Europeia do Ambiente (AEA) acaba de divulgar um relatório sobre as alterações sofridas pelas zonas costeiras da Europa nos últimos 15 anos. Trata-se de uma magnífica peça, digna de leitura e reflexão. Não por trazer boas notícias, antes pelo contrário, mas por ser uma expressão de qualidade, rigor e sentido de serviço público que aquela agência tem manifestado ao longo dos seus - altamente produtivos - 12 anos de existência.
Para um pequeno país em vias de «des-desenvolvimento», onde vai sendo moda tratar com arrogância saloia as matérias ambientais, a AEA é a pauta por onde, a curto prazo, será medida a culpa dos ditos responsáveis. A gravidade do problema pode sintetizar-se assim:
1. As zonas litorais sempre foram e serão lugares-chave em termos ambientais, económicos, políticos, culturais, etc. Particularmente na Europa, onde vários autores consideram que o perfil recortado do Mediterrâneo à Escandinávia terá sido um factor determinante de civilização.
2. O crescimento exponencial das áreas artificiais construídas (especialmente edifícios e estradas) está a gerar «alterações prejudiciais e irreversíveis» na própria «viabilidade dos ecossistemas costeiros e dos serviços que os mesmos oferecem».
3. A partir de agora, todos os impactos negativos serão «exacerbados pelas alterações climáticas - erosão e subida do nível do mar», as quais afectarão sobretudo as zonas que sofrem de «compressão costeira», ou seja, as que têm mais «áreas construídas e infra-estruturas perto da linha de costa» (in AEA, «The changing faces of Europe’s coastal areas», Rel. Nº 6/2006).
Portugal em posição aguda
Neste contexto europeu em que os litorais são elemento fulcral em múltiplas dimensões, Portugal está em posição aguda. Somos praticamente só litoral; uma breve faixa de 200 quilómetros de largura a tomar conta de quatro portos marítimos estratégicos e de um mar imenso, balizado pelos arquipélagos dos Açores e da Madeira. O litoral é uma espécie de condição básica nacional - tudo o que acontecer na gestão da faixa costeira acontece ao país no seu conjunto. Ora, o processo de sobrelitoralização desordenada tem sido denunciado por dezenas de especialistas, mas as suas razões só se têm agravado e multiplicado. Podíamos lamentar apenas o facto de o litoral estar feio e desconfortável, mas infelizmente temos também de lamentar que se tenha tornado uma fonte de perigos. Além da desgraça estética e ético-política, o litoral encontra-se actualmente sob a ameaça de ruína e mesmo de colapso em alguns troços.
Segundo o notável relatório da AEA, todos os litorais europeus sofrem tremendas pressões e encontram-se mais ou menos em situação de risco e em perda de «recursos marinhos biológicos insubstituíveis». Mas, se seguirmos a sinuosa serpentina litoral da Europa Ocidental, ficamos pasmados com o desempenho desta minúscula entidade nacional. Aqui persiste-se nos erros mais absurdos, tipo «litoral killer» - pouco a pouco, pedaço a pedaço, vai-se liquidando tudo… É altamente significativo ler neste relatório que, entre 1990 e 2000, foi em Portugal que se deu a mais rápida ocupação do litoral, com um aumento de 34% de áreas artificializadas, contra 18% em Espanha.
Lembremos apenas alguns episódios: nos anos 1990-2000, vimos o já sobrecarregado Algarve acelerar mais do que nunca o ritmo de construção (Albufeira, por exemplo, cresceu 65%); hoje, temos 80 mil hectares de tecido urbano na faixa dos 10 quilómetros a partir do mar. Vimos a construção, clandestina e não só, avançar em parques naturais, como o do Sudoeste Alentejano e o de Sintra-Cascais. Vimos construções em sítios impensáveis, como a arriba da Praia da Califórnia, em Sesimbra. Vimos até José Sócrates, quando ministro do Ambiente, aplicar «medidas preventivas» na costa do oeste - onde, entre Caldas e Nazaré, inúmeras praias estão actualmente interditas por risco de esboroamento das falésias. Vimos, no litoral norte, praias já sem praias e uma frente urbana galopante, sobre a terra e sobre o mar…
Pois bem, no momento em que a AEA vem traçar um retrato alarmante do futuro das zonas litorais de toda a Europa, que trata Portugal de fazer? Trata de tricotar rapidamente a malha dos interesses. Basta consultar o rol dos designados projectos PIN (Potencial Interesse Nacional).
Megaprojectos de vento em popa
Comecemos de novo pelo Algarve, onde o PROTAL está a tentar pôr alguma ordem no caos perante a despudorada invocação de «direitos adquiridos» que, se fossem levados a sério, iriam gerar mais 250 mil camas… Isto sem contar com os megaprojectos, alguns dos quais aprovados na primeira metade dos anos 90 e que seguem agora de vento em popa: Vila Moura XXI, 2.ª fase (17 mil camas), Verdelago, em Altura (2 mil), Vale de Lobo III (mais 1.050). Outros casos são as Dunas Douradas (500 camas); ou dois empreendimentos separados pela lagoa dos Salgados, um na herdade do mesmo nome, concelho de Albufeira, e outro em Silves, na Praia Grande (10 mil); ou o alastramento da Meia Praia (10 mil).
Se saltarmos para norte, em Vila do Conde, o empreendimento Optimist, em Azurara, deixa-nos pessimistas com a sua ideia de implantar 300 camas e quatro prédios em cima de um cordão dunar. Mas não só: no mesmo concelho, em Árvore, preparam-se novos monos nas dunas, em zona de risco e contrariando o Plano da Orla Costeira (POOC).
Na costa oeste, em Alcobaça, destaca-se um loteamento de 800 hectares entre Martingança e o mar; e o PIN da Praia do Bom Sucesso a encaixar mais 3.300 camas. Em Alfarim, Sesimbra, prepara-se uma urbanização com 1.700 camas, entre apartamentos e moradias.
E finalmente o litoral alentejano: a última virgem do convento? Qual o quê! A escala desmesurada das propostas sem uma visão de conjunto planeada irá acabar com a galinha dos ovos de ouro. Só na frágil restinga até Soltroia contam-se 15 mil camas; na Comporta 5.000; outras 6.000 turísticas e 1.600 residenciais no Carvalhal. Mais abaixo, os Pinheirinhos (3.000) e a Costa Terra (7.000). Logo a seguir, para a praia de Melides há 3.000 camas pedidas; e 3.800 para as imediações da lagoa de Santo André.
Mas parecia pouco. Sobrava a prisão de Pinheiro da Cruz… O Ministério da Justiça, afinal, andara a usurpar ao turismo praias e pinhais? Pois saia de lá a prisão e venha um «resort»…
Tudo isto se interrompe pelo polígono industrial de Sines. Daí para baixo começa o parque natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina - ou talvez não… pois onde ele efectivamente começa é nas gavetas e nos telefonemas que em Lisboa tudo negoceiam. O que é um parque ao pé do telefone certo?
O relatório da AEA escolheu o sudoeste alentejano como exemplo a merecer uma atenção especial pela sua biodiversidade e pelos riscos que corre com as pretensões imobiliárias. Espera-se que ele não se torne um dia apenas mais um caso para estudo da mais incrível desgovernação ambiental.
No remate do seu relatório, a Agência Europeia do Ambiente alerta para a necessidade de políticas activas de ordenamento do território; aconselha a gestão integrada e o princípio da «retirada controlada» para minimizar os impactos da erosão e subida do nível do mar. Nós continuamos em sentido contrário: desordenamento, gestão desintegrada e uma ofensiva imparável na ocupação da faixa costeira. Com a complacência das elites políticas, económicas e profissionais… e um humilhante desrespeito pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território.”
Luísa Schmidt
2 comentários:
visão preocupante... muito preocupante...=(
senti-me pequena ao ler este artigo. Senti-me insignificante, sem importância, imponente...
Mesmo muito preocupante: mas o futuro está nas nossas mãos... Por isso, ainda vamos a tempo(:
Segundo o Barrinhos: nas mãos do Sósó! PS*
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